domingo, 29 de janeiro de 2017

«Brumas e Escarpas» #119

A espadana

Antigamente, a espadana era uma planta de grande utilidade na Fajã Grande. Nascia, crescia e florescia abruptamente e em grande abundância nos maroiços, nas canadas, nas encostas dos outeiros e até nas terras de mato. Nestas, muitas vezes, a espadana crescia tão densamente que até tinha que ser desbastada ou cortada radicalmente por constituir uma ameaça para outras culturas, nomeadamente, para os inhames e árvores de fruto.

A espadana muito frequente nos Açores é no Pico designada por filhaça e em São Jorge por corriola. Trata-se de uma planta não endémica, proveniente da Nova Zelândia e que cientificamente se designa por Phormium Tenax. Noutras regiões onde existe também é conhecida pelos nomes comuns de harakeke (em maiori) ou linho-da-nova-zelândia. Trata-se duma espécie de planta sempre verde, de folhas perenes com distribuição natural na Nova Zelândia e na Ilha Norfolk, mas naturalizada em diversas regiões temperadas e subtropicais e cultivada quer como importante fonte de fibra quer como planta ornamental. A espadana cresce como um aglomerado de largas folhas, em forma de tiras, de até dois metros de comprimento, ao redor de uma espécie de caule central, muito mais alto do que as folhas, onde se podem observar belas flores amareladas e vermelhas.

Sabe-se que na Nova Zelândia as folhas da espadana foram utilizadas para delas se retirarem fibras utilizadas na confeção de tecidos tradicionais e também para a feitura de cordame e velas de navios

Destino semelhante teve a espadana nos Açores, mas ao que consta apenas na ilha de São Miguel, onde foi cultivada para extração e produção de fibra. Segundo alguns historiadores a economia micaelense, paralelamente ao chá, em tempos não muito recuados, desenvolveu várias iniciativas de produção industrial não só do linho, mas também da espadana de onde se chegou a retirar apreciáveis resultados, antes do surgimento de fibras sintéticas. Na ilha do Arcanjo a espadana foi também muito utilizada uno fabrico de cordoaria, sobretudo no concelho da Lagoa onde ainda existem ruinas duma fábrica de desfibração de espadana.

Na Fajã Grande a espadana era utilizada em bruto para substituir as cordas, bastante mais caras mas muito necessárias no dia-a-dia. As folhas da espadana eram cortadas e postas a secar e depois desfiadas em tiras mais grossas ou mais finas, maiores ou menores de acordo com o fim a que se destinavam. Para além servirem para amarrar pequenos molhos, depois acarretados às costas, as espadanas eram muito usadas para amarrar os molhos de rama seca assim como os fetos secos que eram guardados nas casas velhas para alimentar e fazer cama aos animais, amarrados nos palheiros nas longas noites de inverno. Também cortadas em pequenos e finos pedaços serviam de cordões para amarrar as bocas dos sacos, das moendas, cambulhões de milho, as asas das galinhas e até os suspensórios das calças quando os botões falhavam. Mas um dos mais interessantes usos da espadana era no desfolhar do milho. Nos dias anteriores cortavam-se as folhas em pequenos pedaços que se desfiavam finamente. Depois eram feitos pequenos molhinhos que uma vez amarrados e dobrados em U invertido eram presos a uma alheta das calças de cada desfolhador. À medida que desfolhavam iam formando mancheias que eram amarradas com os cordões de espada e penduradas nos milheiros mais altos onde ficavam a secar durante alguns dias. Só depois eram recolhidas e guardadas mas durante esses dias os campos tinham um maravilhoso e deslumbrante aspeto.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

Sem comentários: