domingo, 17 de julho de 2016

«Brumas e Escarpas» #109

Os lavadouros de madeira

Embora situada numa zona não apenas de muitas grotas e ribeiras mas também de muitas nascentes, apenas na década de 1950 a freguesia da Fajã Grande foi abastecida com rede pública de água. Mesmo assim e nessa altura muitas famílias não meteram água em casa, uma vez que o custo de tal adesão era muito elevado para as famílias mais pobres, tanto no que à instalação de canos e torneiras dizia respeito como ao custo da mão-de-obra e até da taxa a pagar mensalmente. Por isso até aos anos cinquenta e sessenta muitas mulheres eram obrigadas a deslocarem-se às ribeiras mais próximas para lavar a roupa. Mas para a maioria das casas as ribeiras ficavam bastante longe e perdia-se muito tempo em idas e vindas, pelo que eram possíveis apenas uma ou duas idas semanais aos locais onde se lavava, destinadas às roupas mais sujas, às peças maiores e mais difíceis de lavar. As roupas mais leves, as peças mais pequenas e menos sujas eram lavadas em casa, em selhas, indo-se se buscar água a uma fonte ou nascente mais próxima. Ora estas selhas tinham como anexo os célebres lavadouros feitos de madeira, muitos deles de fabrico caseiro outros encomendados nos carpinteiros.

Os lavadouros caseiros eram constituídos por uma grossa e pequena tábua de madeira, geralmente de cedro e de formato retangular. A parte inferior, que entrava na selha com água era cortada em forma de V, formando duas espécies de pés que se fixavam no fundo da selha. Num dos lados e um pouco acima dos pés a tábua era escavada, de maneira a formar uma espécie de regos muito próximos uns dos outros ou escarpas simétricas e sucessivas nas quais a roupa, depois de encharcada e ensaboada era esfregada. A extremidade superior da tábua era lisa a fim de que caso a mulher encostasse o peito não se magoasse ou ferisse.

Para o seu uso, bastava colocar a tábua transformada em lavadouro dentro da selha, fixá-la muito bem e esfregar a roupa como se um lavadouro de pedra ou de cimento se tratasse.

Mas o mais interessante para a ganapada miúda é que estes lavadouros quando não usados e colocados nas selhas com água se assemelhavam a um verdadeiro varadouro de barcos. Assim a selha cheia de água era o oceano imenso e infinito onde os pequenitos barcos feitos com pedacinhos de madeira transitavam e que depois eram arrastados pelo lavadouro acima a servir de varadouro e colocados em terra. O diabo era arranjar água para encher a selha... Perante essa dificuldade pedia-se à mulher que lavava a roupa que depois de terminar a sua tarefa não despejasse a água que mesmo assim suja era o nosso oceano, com a vantagem de, no fim, depois de tanto patinharmos nela, ficássemos com as mãos lavadinhas e a cheirar a sabão azul.

Os lavadouros de madeira foram utensílio de grande utilidade para as mulheres e delirante brinquedo para as crianças, dos quais atualmente existem pequenas réplicas vendidas como peças de artesanato.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

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