domingo, 3 de abril de 2016

«Brumas e Escarpas» #103

Maldita cana-roca

A cana-roca na década de 1950 na Fajã Grande era uma espécie de planta maldita ou, pelo menos, mal amada. Uma monda ou uma praga que urgia devastar, a fim de que não alastrasse e se sobrepusesse às outras plantas e às árvores que cresciam ao redor e que eram de grande utilidade. Assim, uma das tarefas de cada agricultor era cortá-la e por vezes até lhe arrancar as potentes e grossas raízes nos terrenos onde florescia desalmadamente. O seu aproveitamento era muito reduzido, servindo apenas, uma vez picada, para secar as cercas ou currais dos porcos e, quando verde, as suas folhas de melhor qualidade eram selecionadas e utilizadas para colocar debaixo do pão de milho quando saído do forno ainda quente, assim como debaixo da carne fresca, por alturas de jantares e festas do Espírito Santo ou em matanças de porco. As crianças, assim como as abelhas famintas aproveitavam o suco adocicado das suas flores para se deliciar, uma vez que nesses tempos o açúcar e os doces rareavam.

No entanto a cana roca, uma planta invasora muito comum nas ilhas dos Açores, florescia em catadupa nas terras de mato da Fajã Grande, nomeadamente no Delgado, Cabaceira, Cuada, Espigão, Cancelinha, Lombega, Moledo Grosso, Pocestinho, Pico Agudo, Lavadouros, Vale Fundo, Curralinhos e de muitos outros e até no sopé da Rocha e em muitas relvas sobretudo nas mais próximas das terras de mato. Nesses tempos recuados e de grandes trabalhos e canseiras, os donos das terras de foice em riste haviam de se livrar de toda ela, ceifando-a e cortando-a durante horas e dias, por vezes até arrancando as suas carnudas raízes, simplesmente para deitar fora, pois não servia para nada.

A cana roca, considerada também como planta ornamental, dada a beleza das suas flores é originária do Himalaia. Tem um caule herbáceo e as suas folhas são de um verde brilhante e as flores amarelas e alaranjadas, de rara beleza e adocicado aroma, crescendo em botões em forma de espigas. Pode atingir os dois metros de altura. As raízes são carnudas, assemelham-se a tubérculos e são muito parecidas, no aspeto e no sabor, às do gengibre, uma das plantas medicinais mais antigas e populares do mundo, de cuja família a cana roca açoriana é uma espécie.

O seu nome científico é Hedychium Gardnerianum, sendo conhecida popularmente pelos nomes comuns de conteira, jarroca, roca, cana roca e gengibre-selvagem e, em muitas regiões assim como nas ilhas açorianas, é considerada espécie invasora. Nos Açores, na verdade, tem vindo a tornar-se um problema crescente para as espécies nativas. Recorde-se que são consideradas plantas invasoras as espécies que, a nível geral, apresentam alta capacidade reprodutiva, alta capacidade de dispersão, alta resistência e versatilidade adaptativa face a mudanças ambientais, ausência de competição importante por parte de espécies nativas e escassez ou ausência de inimigos naturais no novo ambiente.

A cana roca está incluída na lista das 100 espécies exóticas invasoras mais perigosas do mundo publicada pela União Internacional para a Conservação da Natureza.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

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