quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

«Brumas e Escarpas» #91

O ponto mais ocidental da Europa

O ponto mais ocidental da Europa é o ilhéu do Monchique, localizado a oeste da ilha das Flores, mais concretamente em frente à orla costeira da Fajã Grande, também ela a localidade mais ocidental da Europa. Assim, dos vários ilhéus situados ao longo da costa da ilha das Flores, o mais emblemático, o mais mítico, o mais exuberante e o mais conhecido é o Monchique. Tudo porque este pedaço de lava vulcânica mais ocidental da Europa serviu nos tempos da navegação astronómica como ponto de referência para acertar as rotas e verificar os instrumentos de navegação aos inúmeros navios e embarcações que por ali passavam ligando a Europa e a África à América. Trata-se duma enorme e altíssima rocha basáltica, em forma de torre, achatada na parte superior, encravada no meio do oceano, situado a cerca de cinco milhas da Ponta dos Pargos, na Fajã Grande. O interesse, a importância e o significado deste fragmento de lava adormecido no meio do Atlântico, na verdade, advêm do facto de ele ser o ponto mais ocidental de Portugal e da Europa.

O Monchique, atulhado de cracas, sargaços, algas, lapas e búzios, é um enorme rochedo de sólido basalto, provável resíduo de um cone litoral desmantelado pela erosão marinha. Apresenta uma forma irregular, o que confere aos seus fundos circundantes uma espécie de micro-relevo acentuado. São também essas formas irregulares que, em parte, permitem que seja visto com formas diversas, quando observado de longe e de lugares diferentes, como da Fajã, do Albarnaz, do Corvo ou até do alto da Rocha.

O Monchique também se revela de grande interesse para os biólogos, para os estudiosos da fauna marítima e para os mergulhadores submarinos, uma vez que são numerosas as cavidades submarinas nas suas encostas e no seu sopé e, além disso, está no centro de uma região de grande diversidade biológica, com cerca de uma centena de espécies marinhas identificadas ao seu redor. Mas a razão principal do seu interesse e importância advêm-lhe do facto de, na realidade, ser o ponto mais ocidental da Europa e disso se orgulha o concelho das Lajes e as suas gentes.

Interesse e significado tem também o Monchique por ser uma espécie de ex-libris da Fajã Grande, por fazer parte da sua história, da sua cultura, dos seus costumes e até dos seus ditos ou falares. Na verdade, consta que alguns dos nossos avós em tempos muito remotos dançaram a chamarrita em cima do Monchique, que outrora se realizavam excursões e passeios do Porto da Fajã exclusivamente para o Monchique, a fim de os visitantes poderem observar e ver de perto as suas rochas e encostas, as suas veredas e as espécies marinhas que o revestem e circundam. Entre estas viagens, algumas destinavam-se exclusivamente à apanha de lapas, que as havia por lá grandes e boas, ou até de cracas, embora estas fossem de mais difícil captação e menos rendosas a comer. Muito usada na Fajã Grande era a expressão “Por trás das raízes do Monchique”, a significar que algo era muito difícil ou até impossível de ter acesso, ou ainda esta outra “Quem te dera debaixo das raízes do Monchique” a indicar que se não gostava ou não se queria ver alguém.

Para a ganapada miúda de outrora o Monchique entrava em muitas das brincadeiras, pois sempre que se divertiam com barcos de madeira ou de papel em qualquer pequeno lago, poço ou celha cheia de água, lá estava sempre no meio, uma pedra negra, de plantão, a representar e simbolizar o Monchique. Outras vezes faziam-se apostas, quando um barco surgia no horizonte, a ver quem adivinhava se ele passaria por dentro ou por fora do Monchique.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

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