sexta-feira, 21 de junho de 2013

«Brumas e Escarpas» #61

A noite de São João – uma noite mágica

Acredita-se, hoje, que as tradicionais e populares festas em honra de São João, muito provavelmente terão tido a sua origem nas chamadas festas juninas, de origem pagã e relacionadas com a celebração do solstício do Verão, que terão tido a sua origem no Norte da Europa, onde naturalmente a chegada do estio era muito desejada e, efusivamente, festejada. Depressa, no entanto, essas celebrações se foram alastrando por outras regiões e latitudes, sendo mais tarde, já em plena Idade Média, cristianizadas como festas em homenagem a São João, permanecendo, no entanto, eivadas de costumes interessantes e estranhos e de tradições muito antigas que, ao longo dos tempos, foram sendo enriquecidos com outros costumes, tradições e até com lendas e celebrações da Igreja Católica. É o caso das fogueiras que se acendem por toda a parte, nesta noite e a que a Fajã Grande, dos anos 1950 e da minha meninice, não era alheia.

Segundo uma lenda católica, este antigo costume de acender fogueiras na noite de São João tem as suas raízes num acordo feito entre as primas Maria e Isabel. Para avisar Maria de que o nascimento de São João Baptista se aproximava e ter a sua ajuda após o parto, Isabel terá acendido uma fogueira sobre um monte. Segundo outras fontes, as fogueiras já seriam acesas, em tempos anteriores, sobretudo nos países nórdicos, a fim de darem, no início do estio, uma ajuda simbólica ao Sol, a fim de que este se fortalecesse e transmitisse, com mais veemência, a sua força vital ao planeta Terra. Também se pensa que as fogueiras teriam, inicialmente, como objectivo afastar os seres místicos, como as bruxas e outras forças do mal, naquela importante noite de Verão, pois acreditava-se que, durante a mesma, tais seres vagavam ainda mais, obstruindo os tempos menos escuros que se seguiriam.

Na Fajã Grande, na véspera de São João, acartávamos molhos e molhos de loureiro, bem verde, a que juntávamos ramos de tamujo, para que, ao arder, o lume estalejasse melhor. Não havia casa com crianças que, em frente à porta da cozinha, não acendesse a sua fogueira, a qual se ia activando e saltando ao longo da noite.

Para além das fogueiras, da magia das suas labaredas, do estalejar das folhas verdes do loureiro e do tamujo e do vermelho do brasido final, a noite também era mágica porque outros costumes e tradições se cumpriam e encenavam. Um deles era o da clara do ovo: à meia-noite partia-se um ovo e deitava-se a clara num copo com água, deixando-a ao relento até de manhã, preferencialmente entre verduras. O fresco da noite e o sereno provocavam na clara formas de objectos diversos que, seguramente, davam pistas de como seria o destino futuro de quem a colocara. Quem não se sentisse seguro sobre o amor, colocava num prato um pouco de água e dentro dele deixava cair duas agulhas, que assim permaneciam durante a noite. Se estas, de manhã, aparecessem juntas era sinal de que o ser amado era fiel e também amava a pessoa em causa. Se, ao contrário, as agulhas se separassem, era sinal de infidelidade e de que o amor não era correspondido. Outro costume era o de colocar debaixo do travesseiro três grãos de favas: uma, toda descascada, outra, com meia casca e a terceira com a casca toda. De manhã, tirava-se uma das favas, de repente. A que tirássemos dir-nos-ia, se seríamos pobres, remediados ou ricos. As pessoas solteiras que colhessem sete flores de tipos diferentes e as colocassem debaixo do travesseiro teriam a possibilidade de sonhar com a pessoa com quem se casariam. Por sua vez, torrar favas era um hábito muito comum, no dia seguinte, assim como bordejar no mar e cantar. Por isso neste dia, na Fajã Grande, se davam muitos passeios de barco junto à costa.

Também se dizia que as fontes, nessa noite, jorravam vinho. Quem, à meia-noite em ponto, procurasse uma bica para beber água, seria surpreendido pois em vez de água beberia um bom vinho. Mas pelos vistos, poucos conseguiam este desiderato, pois era muito difícil colocar a boca na bica à meia-noite, com rigor absoluto, em tempos em que os relógios rareavam.


Carlos Fagundes

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