terça-feira, 12 de março de 2013

«O senhor Açores a Pé é do Continente? E está gostando da nossa ilha?»

Durante meses, entre Março e Dezembro de 2012, Nuno Ferreira atravessou a pé as nove ilhas dos Açores entre névoas, chuvas mas também acessos de calor e humidade, procissões, celebrações do Espírito Santo, ranchos da Quaresma, bailes de roda, cantares ao desafio e muita estrada e trilhos. Agora, chegou a hora da saudade: «Quando é que o senhor volta à nossa ilha?»

No dia 15 de Dezembro passado terminei o projecto de travessia a pé das nove ilhas dos Açores. Acabei da forma mais insular e açoriana possível: à espera há dois dias, na ilha do Corvo, de um avião que teimava em não chegar devido à força da intempérie. Viver em determinadas ilhas do arquipélago continua a ser um acto de coragem, se compararmos com as amenidades da vida nas grandes cidades do Continente. Quando há dias li a notícia do bebé que nasceu num helicóptero da Força Aérea entre a Graciosa e a Terceira, lembrei-me imediatamente da minha chegada à ilha, em pleno Furacão Nadine. Recordei o navio de carga que não chegava devido ao estado do mar, o avião que não aterrou devido à força do vento, as ondas fustigando a orla de Santa Cruz da Graciosa sob um céu que nesses dias parece querer fechar a ilha sobre si e deixá-la isolada do Mundo.

Recordei também a quantidade de vezes que os observava, aos velhos e doentes, acabrunhados, enfiados dentro de um pequeno avião, a viajar para a ilha mais próxima para poderem ser assistidos num hospital. Os cuidados de saúde nas ilhas mais pequenas e isoladas continua a ser um dos principais problemas: «Parte-se um braço, tem-se uma doença mais grave, tem de se sair», desabafava um florentino.

A insularidade tem os seus estereótipos ou mitos: o nevoeiro, a clausura, a imensidão do mar que no meio do Atlântico cerca a ilha e a afasta das outras. Devo dizer que caminhei sob nevoeiro e chuva mas enfrentei também o Sol, o calor e a humidade do Verão açoriano, sobretudo nessa estufa húmida em que se transforma a Terceira em certos dias de estio.

Caminhei sob nevoeiro que não me deixou ver o Pico da Esperança, em São Jorge, e que invariavelmente encobria o Pico da Vara, em São Miguel, só para citar dois exemplos. Convivi com a chuva, sobretudo na última fase, quando decidi atravessar a ilha das Flores e os seus trilhos enlameados e atravessados por ribeiras em Dezembro. Senti dificuldades em enfrentar na Terceira e mais tarde em São Jorge, nos meses de Julho e Agosto, a conjugação dos efeitos do calor com a humidade. Resisti à tentação de atirar com a mochila ao chão e parar em algumas ocasiões: na Aguada, na Terceira, a caminho do centro da ilha; no trilho da Fajã dos Vimes para a Fajã de São João, em São Jorge; na Ladeira Velha, na Calheta, também em São Jorge. Nesses dias, a t-shirt colada ao corpo, as pernas parecem pesar a dobrar.

O prazer de conviver com os açorianos, de lhes observar as diversidades, de comparar os sotaques, os modos de estar e viver foi absolutamente inolvidável. Voltei com saudades da viola da terra mas também dos bailes de roda lentos e gentis da Graciosa ou de São Jorge, da chamarrita endiabrada do Pico, das quedas de água das Flores, do movimento das tascas dos pescadores micaelenses na Ribeira Quente, em Vila Franca do Campo ou em Água de Pau. Das adegas do Pico. Das touradas à corda na Terceira. Da vindima na Graciosa. Do colorido das procissões. Dos cânticos dos romeiros a acordarem-me nos Ginetes, São Miguel, pelas seis ou sete da manhã. Das estradas bordejadas a verde, dos chafarizes, das igrejas brancas e negras que a vista alcança várias lombas antes de se chegar à freguesia.

Saudades de me perder numa mancha de cedro do mato, chegar a uma clareira semi-encoberta pelo nevoeiro e dar com elas, sempre elas, as vacas, espantadas a olhar para mim e a fugir em seguida. Lá em baixo, embatendo nas arribas, o mar, sempre ele. Saudades, evidentemente, de adormecer ao som do «bonc» surdo das ondas a bater no molhe ou na arriba e do som riscado das cagarras. E saudades, finalmente, da hospitalidade açoriana: «O senhor é do Continente? E está gostando da nossa ilha?»


Crónica do jornalista Nuno Ferreira no portal «Café Portugal».
Saudações florentinas!!

3 comentários:

Anónimo disse...

Há quem diga, e muito bem, que os Açores tem mais graça percorridos a pé.
Aos vulcões, às ribeiras, ao clima e à vegetação - a nossa geografia - sobrepõe-se um povo de alma grande, como a imensidão do mar que nos acompanha.

Venham escritos!

Anónimo disse...

muito bom adorei o texto

Anónimo disse...

Os Açores é sem dúvida um paraíso perdido no meio do atantico. Hà alguns anos a viver no estrangeiro ao ler este magnifico texto sonhei com a minha ilha, saudades de casa, da familia, dos amigos...
Parabéns!!