segunda-feira, 18 de março de 2013

«Brumas e Escarpas» #55

O Burrinho do Lamé

Muitas eram as brincadeiras e os jogos, individuais e colectivos, que fazíamos em criança, sobretudo para ocupar da melhor forma as tardes de domingos e feriados, o tempo durante o qual, fora da porta da escola, aguardávamos a senhora professora, ou aqueles momentos do dia em que estávamos livres de qualquer tipo de trabalho ou espécie de tarefa.

Entre os vários jogos colectivos figurava “O Burrinho do Lamé”. Bastava que alguém convocasse a malta miúda e era uma correria louca e acelerada para o adro da Igreja, para Praça ou para outro qualquer local estrategicamente apropriado para tal:


- Vamos brincar ao Burrinho do Lamé.

O jogo em si era simples e fácil, tendo como objectivo principal que todos os participantes evitassem, da melhor e mais astuta forma possível, figurar ou fazer o papel de burro durante o jogo.

Os participantes, em número indeterminado, sentavam-se todos na soleira duma porta ou nos degraus circundantes, enquanto o líder do grupo, que orientava o jogo, ocupava um lugar numa banqueta qualquer mas que havia de situar-se sempre do lado oposto. Depois, para começar o jogo, escolhia quem ele muito bem entendesse para figurar de burrinho. Vergava-lhe então a cabeça sobre os seus joelhos, tapava-lhe os olhos com as suas próprias mãos e, certificando-se de que o simulado jumento não via rigorosamente nada, colocava-lhe de seguida o traseiro em condições de levar uma pequena palmada, por parte de um qualquer participante. Do outro lado alguém se levantava, normalmente por indicação do líder (porque todos queriam vir), e vinha bater ao de leve no rabiosque do suposto burrinho, voltando de seguida ao seu lugar sem ser visto por aquele, evitando também, depois de sentado no seu lugar, revelar, directa ou indirectamente, qualquer indício de que tinha sido ele o autor da palmada. Destapava-se o burrinho que, de imediato, começava a circular diante de todos, sendo obrigado a tentar identificar ou descobrir o agressor. Se o conseguisse havia de pôr fim ao seu ocasional estatuto de asno. Pegava-lhe então às cavalitas, não fizesse ele papel de burro, apresentando a sua carga ao líder, que o interrogava do seguinte modo:

- O burrinho donde vem?
- Vem do Lamé.
- respondia o burro.

Se tivesse acertado no seu agressor, este passaria de imediato a fazer de burro, transportando-o às cavalitas para o lugar vago, enquanto o chefe confirmava:

- Deita cá que é.

Se não acertasse ouvia do líder: - Vai por lá que não é.
E, depois de voltar a carregar o que trouxera junto do chefe às costas, continuava assim carregadinho para lá e para cá, até encontrar o agressor, o que por vezes se tornava muito difícil.


Carlos Fagundes

Este artigo foi (originalmente) publicado no «Pico da Vigia».

3 comentários:

Anónimo disse...

Isto no tempo em que havia muita miúdagem e o local da brincadeira era a rua, chovesse ou fizesse sol.

Anónimo disse...

pois é agora brincamos mais ao burrinho da cabeça grande

Anónimo disse...

A miudagem hoje é finaa.