sexta-feira, 23 de abril de 2010

«Miscelânea da Saudade» #10

Lembranças sem Saudades
(passagem verídica com reticências)

Pela semana do Natal de 2009, fez pelo menos 42 anos que esta inédita e verídica estória se passou na cidade de Toronto, Ontário, Canadá. Isto nos meados da década dos anos 60 do século passado.

Havia eu chegado a Toronto, no último trimestre de 1965. Por esta altura, foi a época em que chegaram centenas de visitantes portugueses, homens sem suas famílias, como também algumas mulheres [sozinhas e aventureiras] poucas; mas vieram. De todo o lugar onde o português era falado, veio um consistente dilúvio de pessoas, mais propriamente dos Açores e Continente português. Eles chegavam ao aeroporto de Toronto, como viessem definitivamente para o Canadá, porque a entrada no Canadá era facílima.
Do Brasil vieram muitos. Quase tantos como de Portugal. Quando digo Portugal, é de lembrar que a maioria veio dos Açores. Eles registavam-se na entrada, no departamento de emigração, como vindo visitar familiares, mas a maioria nem parentesco cá tinham.

Como a maioria destes visitantes não sabia falar inglês, precisavam de alojamento e comida. Convinha-lhes um lugar onde se juntassem todos perto uns dos outros, com acomodação de cama e restaurante perto, se possível fosse. Tentavam ir para áreas de portugueses com tasca sua e de de baixo preço para refeições ligeiras. Uns ficariam alojados em quartos de casas particulares adjacentes a restaurantes; outros, no segundo piso dos próprios estabelecimentos.

Para abreviar a estória, entro imediatamente no cerne dela, sendo esta a razão principal deste texto, não deixando indícios que possam expor os seus personagens à superfície, tendo a certeza que não há vestígios que os possam identificar.
Na altura do acontecido, houve algumas línguas más que estigmatizaram outras bocas ruins e fizeram entristecer familiares como também amigos que mantiveram segredo, mas claro com 'derrames'... Todavia este incidente embaraçoso e doloroso que irei narrar, tentarei obscurecer o mais possível, entrecalando-o com nomes fictícios, usando aspas e reticências para despistar atribuições erradas... Contudo isto, as coisas poderiam ter-se agravado muito mais, mas felizmente ninguém morreu do acontecido. Não houve fatalidades.
Para dar procedência à narrativa, usarei despistes muito desviado do epicentro. Termos de expressão e sinais gráficos serão empregados para dissimulação e "coação de resíduos verbais" de alguma crítica antiga, dos artistas da multiplicação infamadora, que nada absolveu mas que acha justo criticar e fazer notório, cochichando acontecimentos infelizes... Filtrarei apenas o mais aproveitável, fazendo transparecer o suficiente do acontecido, vendo-se bem pelo "entreaberto" sem escancarar a porta...

O restaurante do Sr. Chaves andava sempre à cunha de novos [emigrantes] chegados. Ora para refeições, cafés bate-papo, ora para pesquisar pousada, quiçá as duas coisas.
Um Sr. Jerónimo, dono duma casa nas redondezas, havia alugado um quarto a um recém-chegado no segundo andar da moradia. No mesmo piso já havia outros dois inquilinos que também eram portadores de "passaporte de visitas". Todos eram amigos e viviam em harmonia com a família da casa. A casa era muito antiga, com apenas uma casa de banho completa no segundo andar, onde estavam os inquilinos. A outra casa de "banho", pela infelicidade da sua estrutura, estava por acabar na (cela) cave da casa, mas sem banheira, que serviria temporariamente o suficiente para acomodar os donos.
No princípio era mesmo assim, vida dura. Trabalhar de dia e noite e arrendar parte da casa que lhes fazia falta, em ordem de superar as grandes despesas, por via dos flácidos salários.

O dono da casa o Jerónimo, muitas vezes, para conveniência sua, subia o piso de cima e tomava banho na única banheira que na casa havia. Já com o Natal a "virar a esquina da rua" nesse dia, pelas 6 da manhã, com todos ainda dormir e o Jerónimo na cama, com a sua cara metade, a Joana disse-lhe que, antes de ir pró trabalho, iria subir as escadas e tomar um "banhinho" na banheira do segundo andar. Dito e feito; mas, antes de ir p'ra cima, primeiro dirigiu-se à cozinha para fazer um café. Como já se fazia tarde para o banho, o cujo decidiu ir p'ró trabalho sem tomar o "banhinho" saindo imediatamente em silêncio e sem bater com portas.
Uma hora depois, a Joana, sua esposa, ouviu as torneiras a correr e estranhou que o marido ainda estivesse a tomar banho. Um tanto arreliada começou a matutar que não tivesse ele deixado as torneiras abertas... Como o pensar sem acções pouco vale, a Joana levantou-se e subiu as escadas com uma subtileza de admirar, estilo exclusivo das mulheres, para não acordar ninguém. Chegando a cima, decidiu surpreender o marido, como também inquirir qual a razão da demora, por se tornar tarde para ele ir para o trabalho ou, talvez se esquecesse das torneiras abertas. Quem sabe?
Ao ver a porta da casa de banho um pouco entreaberta e algum vapor da água quente a sair pela abertura, a Joana muito subtil, entrou sem ele se aperceber e, como todos os "gatos são iguais ao escuro, pelo menos por detrás", com muito cuidado aproximou-se enquanto "ele" estava nu debruçado a lavar a banheira. Como acima foi dito, o quarto estava cheio de vaporização da água quente - coitada da senhora. Nisto, ela mete uma mão no meio da "privacidade" dele, para lhe pregar uma surpresa, ao mesmo tempo que diz: "jingle ó bell - jingle ó bell". O homem do banheiro que era o novo rendeiro, dá um salto, grita qual-berro, enquanto a pobre senhora põe as mãos à cabeça apavorada gritando: "ai mei Deus!.. ai mei Deus!.. que desgraça é esta!", atirando-se pelas escadas abaixo, acordando os restantes que ainda dormiam.

Toda a gente acordou. A ambulância chegou, levando a Joana para o hospital com um braço partido em dois lugares e não sei quantas costelas fracturadas.

Denis Correia Almeida

Hamilton, Ontário, Canadá
hardlink@aol.com


Nota: eu estava ainda de pouco tempo em Toronto, quando um vizinho desta família sinistrada me contou o sucedido. Há coisas que nem o diabo se lembraria de as tecer.

5 comentários:

MILHAFRE disse...

Mais uma deliciosa (e brejeira) história contada brilhantemente pelo Sr.Denis, ilustre colaborador deste blogue.

De facto é um enredo dos diabos...

Envie mais, Mr.Denis, para animar este pessoal, que aqui andam todos com cara de enterro!

Anónimo disse...

Caro Dr. Pardal.

Obrigado pela apreciação da estória
A não ser a parte psicóloga e visual que adaptamos ao ler, a estória tem muito sentimento.
Ironicamente, eu mesmo, ao narrar deparei comigo a rir.

Denis Correia Almeida
Hardlink@aol.com

Anónimo disse...

sim tenho a certeza que ninguem deste historia percebeu que era eles fou muito bem fitrado lol

Anónimo disse...

Hardlink

Adivinha de algibeira para acrisolar o QI --Quociente de Inteligencia--(inteligence quotation) IQ LOL.
(made at home)
-
Qual é coisa qual é ela:
Com oito dúzias de patas,
Q'atravessa uma cancela
Mais depressa que as gatas,
E as crianças fogem dela,
C'más mulheres das baratas ??

(autor DCA)

Que coisa é??

Prémio para o primeiro comtemplado será uma viagem --Directa em Avioneta Monomotor, de Ontário à ilha das Flores. LOL
DCA
Hardlink

Anónimo disse...

Hardlink responde à pergunta:

É a centopeia, miriópode segundo
a inciclopédia, é composto por cem patas.
Atravessa uma cancela claro, por debaixo - mais depressa do que as gatas. E o resto já sabemos...
DCA