domingo, 16 de novembro de 2008

«Miscelânea da Saudade» #4 (2/2)

Em minha opinião, a que penso ser sensorial, em termos de cor de pele, vejo o seguinte: Obama, não é preto; nem é branco. Se os racistas, por insolência disserem que: "o presidente eleito para a Casa Branca é um preto", é um erro. Como se pode dizer tal coisa? Porque não se diz ao contrário: "o presidente eleito para a Casa Branca é um branco!..." Não será lógico das duas maneiras? Qual é a diferença, se ele afinal não é branco nem preto?

Ora, sendo Obama filho de mãe branca e de pai preto, qual é a classificação de cor que o devemos distinguir? Castanho, mulato? Quiçá, mas nunca branco; e decerto, nunca preto. Valha-nos Deus! Esses rápidos nomeadores e distinguidores de cores, se decidissem ser pintores de belas-artes, faziam como o Mestre Facnim fez: misturar tintas que não dá cor que se possa pôr nome.

Esse Mestre Facnim, assim conhecido, ainda do meu tempo em São Miguel, numa ocasião fomos colegas de trabalho. Isto, por volta de 1952. Ele com uns 60 anos, conhecido por toda a mestrança operária da cidade de Ponta Delgada, São Miguel. Homem de pequena estatura, tipo enfezado, quase raquítico, que podia ter sido a parelha dum Mestre Ricardo, que media o vidro com as mãos. Fumava cigarros de folha de papel e sempre ia arranjando serviço de pintor, com apenas primários, que fosse para pintar portões, cancelas, ou até grades de ferro nas campas do cemitério.

Como carpinteiro novo, na firma do engenheiro Luís Gomes, fui enviado para fazer reparações de janelas no Colégio das "meninas" assim conhecido, na Rua de José M. R. Amaral, vulgo Rua do Frias. Ao entrar ao portão, deparei com o Mestre Facnim, com barba de mais de uma semana, um cigarro mal enrolado metido na boca até metade, a pintar janelas. O falar dele era difícil de perceber. Nunca fazia pausa nas palavras. Com linguagem própria sua, e de guincho, matracava de corrida, quase inexplícito. Pintava tudo; até as calças. Mas era bom homem. Estórias dele contadas pelo povo, algumas de rir até às lágrimas; conheço umas poucas.

Naquele tempo, certo dia no prédio de Jácome Correia, onde hoje se encontra o Governo Regional dos Açores, penso - alguém do prédio pediu ao Mestre Facnim para pintar um leão numa tábua, porque os rapazes da escola e outros, galgavam o portão para roubar fruta do prédio. "Mestre Facnim; pinta aqui um leão nesta tábua, para essa cambada de rapazes pensar que tenho cães maus cá dentro do prédio", ordenou o dono, dando-lhe cinco escudos.
"Sim sinhô!... é já même, sinhô!". Esquecendo-se de qualquer coisa, brada o Mestre Facnim numa gritaria doida: "ei sinhô!... o sinhô qué quei ponha uma corrent no leã?". Diz o dono: "não é preciso, Facnim; pinta o leão sem corrente". No dia seguinte choveu muito, ficando a tábua limpinha sem o leão; a àgua lavou tudo.

O patrão, danado por ver a tábua limpa já sem o leão, foi ao encontro do Mestre Facnim. "Oh Mestre Facnim!... que foi que fizeste naquela tinta?; o leão já não está lá"; diz Mestre Facnim: "eh sinhô!... ei preguntei ao sinhô se cria corrent no leã, o sinhô disse que não é precise..., Pront!.. sem corrent o leã fuji".

Lembremos que, as tintas do Mestre Facnim eram lavadiças, por serem misturas de preto e branco, colectadas de restos de latas. Olhem!... Não tinha cor que se pudesse dar nome. O nosso favorito e muito desejado Barack Obama, relativo a cores, sem sentido de mínima ofensa, também não tem cor designada que se possa dar nome, encontrando-se nas mesmas circunstâncias sem cor certa. No entanto, eles dizem que ele é preto.


Denis Correia Almeida
Hamilton, Canadá

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