segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Crónica: «Viagens com bolso»

Tudo o que está fora da ilha é muito longe e tudo o que está dentro é suficientemente perto para toda a gente ser responsável. É uma forma de vida em comum, de uns para os outros, e a gente cresce assim.

Bom tempo no canal, mar-chão e golfinhos. Quando o barco desliza até ao cais já o Helder-do-peixe pergunta quantos quilos de garoupa. Uma ilha é o Helder-do-peixe, o Curvelo-da-Fajãzinha, nomes a menos para o crime sem nome e chaves na porta. Uma ilha é a sua própria lei.
E Helder-do-peixe, revirando caixas cobertas de gelo picadinho:
- Só a garoupa? Se é para uma grelhada, não quer uns bocas-negras?
O boca-negra é um pele-vermelha, daqueles que não há no Continente.
- Acha que sim? Está bem.
Cinco quilos de peixe, mais gelo para chegar fresco à outra costa. Até se ia a pé, não fossem as espinhas espetadas e 25 quilómetros de montanha.
Caso para uma boleia.

Helder-do-peixe lembra-se que Curvelo-da-Fajãzinha ficou de aparecer para levar uns bons quilos frescos e ainda há-de ter lugar na carrinha. Vale a pena esperar no degrau, com o mar entre duas casas. Uma ilha é isso e o som diesel das carrinhas de caixa-aberta, porque se não é a terra são os animais, coisas que não se levam dentro dos carros.
Às vezes as carrinhas vão vazias, na volta de algumas vacas, e aí é que é. Ir de Oriente a Ocidente numa caixa-aberta é o princípio do mundo à velocidade do vento. Entre a luz que cega e o mais súbito nevoeiro, o mar rodopia pelas curvas da ilha até ficar um oceano na descida para as últimas fajãs.
Junto à costa há um pequeno rochedo chamado Monchique onde a gente vai apanhar cracas, aquela espécie de rochas musgosas que se sugam.
É aí que a Europa realmente termina. O mar é africano, salgado e quente, nada mais há em frente até à América, e parece sobrehumano, ou um segredo, estarmos ali pousados em cima das águas.
Tudo o que está fora da ilha é muito longe e tudo o que está dentro é suficientemente perto para toda a gente ser responsável. É uma forma de vida em comum, de uns para os outros, e a gente cresce assim. Um miúdo que nem parece ter idade para guiar lá vai na sua caixa-aberta cheia de batatas ou alfaias e só ia até ao fim da sua freguesia, mas em vendo quem pede boleia é capaz de ir até à freguesia seguinte, e sempre sem pressa.
E portanto lá vem o Curvelo-da-Fajãzinha na sua caixa-aberta buscar o peixe. Não é homem de terras nem animais, mas de certa forma cozinha o resultado de tudo isso, visto ser dono de um restaurante na beirinha da Fajã, voltado para onde o sol se vai pôr.
Lamentavelmente a caixa-aberta já está cheia de pão e legumes e ainda faltam quilos de peixe. Passageiros, só no lado de dentro. Tem a vantagem da conversa.
- Também sou dono do Monchique - anuncia Curvelo-da-Fajãzinha.
É o início de um diálogo groucho-marxista.
- O quê?! O senhor é que é dono do Monchique? Não sabia que o Monchique tinha um dono.
- Tem, claro que tem. Sou eu.
- Mas toda a gente lá vai apanhar cracas.
Curvelo-da-Fajãzinha abranda, estupefacto.
- Cracas?
- Bem, toda a gente lá vai, o senhor não sabe?
Longos segundos de silêncio dentro da carrinha.
Até que Curvelo abana a cabeça, desolado.
- Não, não. Eu sou dono é do jornal «O Monchique», não conhece?
- «O Monchique»?
- Sou dono, director, redactor e paginador. Sou eu que faço tudo.
Curvelo-da-Fajâzinha revela-se o sonho de qualquer capitalista dos media, e com uma camioneta de caixa-aberta.
Logo ali se tratou de uma assinatura.

Juro que hoje, no decorrer desta saudosa crónica, o carteiro meteu pela porta o meu primeiro exemplar de «O Monchique».
As fotografias também são de Curvelo-da-Fajãzinha.


Crónica da autoria da jornalista Alexandra Lucas Coelho, publicada (originalmente) no suplemento «Y» do jornal «Público», edição da passada sexta-feira, dia 19.
Saudações florentinas!!

10 comentários:

Anónimo disse...

Será que estes "jornalistas" do continente não sabem escrever portugês? Então o homem chama-se CUrvelo...?

Anónimo disse...

Muito me ri com este artigo!

Anónimo disse...

Esse corvelo talvez deva saber que tem que ir comprar o peixe á lota e não no mercado clandestino , isto é que é negócio .

Anónimo disse...

Foi o agradecimento por ter dado boleia a um jornalista...

Anónimo disse...

pois é pois é por isso é que uns descontam toda a vida e são sempre pobres e os outros andam na clandestinidade e ostentam riqueza

Anónimo disse...

Tanto existe Corvelo como Curvelo. Sendo que um deles seja das Flores e o outro o Director do " Diário Digital " . Para o amigo anónimo que fez o comentário anormal de estar escrito Curvelo dedico esta posta.

Anónimo disse...

suspeito que estamos a falar do mesmo só que com erro ortográfico o da fajâzinha dono do monchique jornal,não queira mandar poeira para as vistas de ninguém

Anónimo disse...

Ora bem, li os comentários acima escritos e alguns tem a sua piada.

O amigo Corvelo deve ter mais cuidado com as boleias que dá ,boleia como esta nem fáz lembrar ao diabo a safada da jornalista não veio ás Flores para fazer bons artigos mas sim para criticar a vida particular de cada um.

pois bem Senhora Alexandra pode vir ás Flores quando quiser mas tenha cuidado com a pr´pxima boleia porque pode ficar em algum sitio do mato quue não goste e ate mesmo levar os apertos .

á certos jornalistas que só sabem escrever no jornal para preencher lugar no jornal porque derresto pouco se aproveita o que vam lá escrito foi oi que esta jornalista escreveu.

Senhora Alexanrda : A Senhora não viu mais nada nas Flores a não ser aboleia que o Corvelo lhe deu. Francamente a Senhora é fraca JORNALISTA.

Anónimo disse...

o corvelo tem a mania de falar muito... mas todos os porcos têm o seu natal

Anónimo disse...

Louvado seja Deus!